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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Carta aberta a Caetano Veloso

Felipe Pena, Jornal do Brasil


RIO - Querido Caetano, todo mundo sabe que você não gosta do cara, mas sua mãe gosta. Só que há um detalhe importante esquecido nessa inversão da lógica do Chico: aqueles que a utilizam para defender o presidente, na verdade o estão atacando. Não entendeu? Tudo bem. Às vezes, eu também não entendo o que você diz, mas, mesmo assim, insisto nas entrelinhas. Então, permita que eu explique. Antes, porém, devo me apresentar.

Sou professor da Universidade Federal Fluminense, no Rio, onde leciono jornalismo e oficinas de literatura. É uma escola pública, daquelas que têm paredes descascadas, cadeiras quebradas e lousas destruídas pelo tempo. Há dois anos, também trabalhava como comentarista político na emissora estatal, a TV Brasil, mas fui censurado por criticar o governo e acabei saindo do programa que fazia.

Assim como você, também votei chorando no operário do ABC. Em 1989, carregava bandeiras do partido e enchia meu carro de adesivos, além de entoar aquele jingle de campanha gravado por artistas e intelectuais. Era o homem lá e eu aqui, emocionado, estudando Marx e Marcuse, e me preparando para, um dia, também influir na política.

Cômico e trágico, né, não, Caê? Doce ilusão de um doce bárbaro que se achava a vanguarda do universo e ainda virou professor porque queria mudar o país e o mundo. Fala sério, meu rei: 20 anos depois, você ainda acha que os intelectuais e artistas influenciam na eleição? Temos alguma missão a cumprir nesse mundo de maletas e cuecas? Somos referência para os que votam?

Então por que todos ficaram ruborizados quando o Aderbal chamou a moça de peruca de futura presidente? O sujeito apenas declarou o voto, nada mais. Qual é o problema? Não haverá nenhum séquito de eleitores se guiando pela opinião divina de um dramaturgo. Aliás, quem montou esse drama não entende nada de teatro.

Dramáticos mesmo somos nós, artistas, intelectuais, escritores. Eu, por exemplo, morri de ciúmes quando você elogiou o livro do Agualusa sobre o dia em que Zumbi tomou o Rio. Como eu queria que você elogiasse o meu romance, Caetano! Aquele sobre a decadência do ensino universitário. Só assim me transformaria em um best-seller e poderia mudar os rumos da educação no país.

Mas você não leu. E a educação continua essa vergonha. Culpa sua, única e exclusivamente sua. Milhões de jovens semialfabetizados continuam vagando por universidades de pífia qualidade por causa de sua irresponsabilidade. Não é de estranhar que o cara lá de Brasília faça pouco caso daqueles que têm diploma. Muito menos que continue a errar conjugações e regências. A culpa é sua, Caetano. Foi você que não leu o livro.

E ainda querem me convencer que somos formadores de opinião. Faça-me rir! Não servimos nem para fiscais de urna. Cultura não rende voto, meu querido. Ninguém quer saber o que pensamos ou discutimos. Há coisas mais importantes: o saco de farinha doado pelo vereador, a dentadura fornecida pelo centro odontológico do deputado, a bolsa mensal para a família depositada no banco do governo. Cultura pra quê?

Nestas terras, meu texto não vale meio panetone. Troco meu livro pelo seu leãozinho criado à base de acarajé e vatapá. O que acha? Os direitos autorais cabem no dedinho da meia do secretário, mas o orgulho é enorme. Você não vai se arrepender! Eu garanto!

Os intelectuais "somos" chatos, herméticos e bestas. O que me faz lembrar uma certa corrente da contemporânea literatura brasileira. Mas deixa isso pra lá. Nosso assunto aqui é outro.

Já ia me esquecendo, Caetano: tenho que explicar a frase do primeiro parágrafo. Qual era mesmo? Sim, a relação entre a inversão da lógica do Chico e o apoio ao presidente com base nas perspectivas eleitorais para o ano que vem. Hummmm! Esse problema é complexo. Muito complexo.

Sabe o que é, nego? Tá dando uma preguiça! Posso deixar pra próxima? Tudo que eu disse aqui não passa de um arremedo insano de um velho professor metido a romancista. Meu texto, minhas ideias e minha vaidade são apenas ficcionais.

Dê um cheiro em Dona Canô e um abraço nas crianças.

Sou seu fã.

Ou não.

Felipe Pena, além de jornalista e escritor, é psicólogo, professor da Universidade Federal Fluminense e doutor em literatura pela PUC, com pós-doutorado pela Sorbonne. Autor de dez livros, entre eles, o romance 'O analfabeto que passou no vestibular' (Ed. 7 Letras).. Prepara-se para lançar sua segunda obra de ficção, em março, pela editora Record.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009





O jornalista Alberto Dines fará palestra no Rio, no dia 7 de dezembro, das 19 às 20 horas, no auditório da Livraria da Travessa do Shopping Leblon, à Av Ataulfo de Paiva 290 /L-205, piso superior.
Será o lançamento da edição comemorativa dos 35 anos de publicação do seu livro O papel do jornal e a profissão de jornalista, que está em sua 9° Edição , revista, atualizada e ampliada. Após a palestra, e até às 21h30, haverá sessão de autógrafos e coquetel.